quarta-feira, 26 de março de 2008

Inspirações

Quando me contam o que está a acontecer fico perplexa. Quer dizer, sem reacção, sem saber o que pensar, o que dizer, o que fazer... Viro as costas, sem dizer uma palavra, e vou-me embora.
Entro no carro, ligo a ignição e não sei para onde ir... Continuo sem saber o que pensar, o que dizer, o que fazer... resolvo ir, mas não sei para onde. Apenas ir, andar, ver a estrada a passar por mim. E depois logo se vê onde vou parar. Apenas penso em ir para algum sítio que me deixe pensar, sem nada a incomodar-me. Limpo a mente e vou. Deixo-me ir.
Dou por mim numa rua sem ninguém, com alguns carros estacionados. Não sei onde estou e preciso de ir para algum sítio que me deixe pensar no que hei-de pensar, no que hei-de dizer, no que hei-de fazer. Fico ali parada, naquela rua sem ninguém, com meia dúzia de carros arrumados a pensar em nada. Só a olhar à volta, com aquela sensação de vazio que sinto por não estar num sítio que apenas me deixe pensar em paz. E sinto um formigueiro na cabeça, um desespero que sentimos quando precisamos que alguma coisa aconteça mas que, por qualquer razão, não acontece.
E vou andando, com alguma atenção, à procura de um sítio que me deixe em paz.
Dentro da minha carteira oiço o telefone a tocar. É ele, de certeza, mas não quero ouvir. Ainda não quero ouvir. Antes disso só preciso de me organizar um bocadinho.
Encontro a praia. É curioso que tantas pessoas precisem de ir à praia quando querem pensar, quando querem estar em paz, quando precisam de se encontrar. Não percebo porque será... Talvez seja por causa da sensação de ausência de limites. Como se nos sentíssemos a partir por esse mar fora, para nos olharmos como se não estivéssemos em nós. É como se fosse outra pessoa a contar-nos o que é melhor, porque tem o conselho de um azul, por vezes verde, outras vezes mais cinzento... É engraçada esta fixação pelo “olhar o mar”. Porque ele, de facto, nada nos diz... Mas ouve-nos... de alguma forma, seja qual for, ouve-nos. Ou faz-nos pensar isso.
Saio do carro e sento-me numa rocha. Lembro-me de vir aqui desde sempre. As recordações esboçam um sorriso em mim. O medo das algas! Pensava que por baixo das algas havia bichos que me podiam comer o pé... E o horror de nadar por cima das rochas, porque achava que ia aparecer um monstro qualquer do mar para me comer... Os lanchinhos da praia... o sal na minha pele... gritar para a minha mãe me ver quando fazia o pino...
E agora estou aqui outra vez. A pedir satisfações da minha própria vida. Acontece-me isto e nunca pensei que pudesse acontecer, depois de tanto tempo à espera...
Penso em mim. No meu corpo. Tenho vestidas umas calças pretas e uma camisa azul. Mas apetece-me branco. Apetece-me azul claro. E apetece-me amarelo e também verde água. E cor de rosa... apetecem-me cores clarinhas. Apetece-me sentir cheirinhos de alfazema...
Levanto-me e decido andar pela praia. Vou para a beira mar e começo a sentir os grãos de areia a entrar nos pés. Não gosto nada de ter areia nos sapatos e descalço-me. Enterro os pés na areia e lembro-me da minha avó, que fazia o mesmo porque faz bem aos ossos. E também ia à pesca para descansar a cabeça. E ensinou-me as primeiras letras. E lembro-me do primeiro postal que recebi. Da minha mãe, que tinha ido de férias com o meu pai. E era um postal com cinco linhas, que ainda hoje tenho guardado numa lata velha de chocolates. E demorei quase uma hora a ler esse postal. Lembro-me tão bem. Estava cheia de medo, porque o meu avô estava com os óculos, sentado ao meu lado. Ele estava com um ar muito sério, a apontar o dedo para o postal. E eu estava de pé, com as mãos atrás das costas a tentar decifrar as cinco linhas do postal da minha mãe, que contava que eles tinham encontrado uns gatinhos e todos os dias lhes davam leite. E foi um dos momentos mais mágicos da minha vida, quando percebi que as letras traziam palavras cheias de amor e traziam um bocadinho dos meus pais, que estavam de férias sem nós.
Olho à minha volta e reparo que a praia tem pouca gente. Ainda não há muitas pessoas de férias...
E volto a pensar no que me está a acontecer. E parece que, finalmente se faz luz na minha cabeça. E toco na minha barriga, para receber o ser que vai crescer dentro de mim. E tudo o que quero é dizer-lhe para vir depressa, porque quero tanto conhecê-lo. E tenho tantas saudades, sem nunca antes o ter visto.
Há tanto tempo que queria que isto acontecesse, mas nunca tinha pensado em como era mesmo. É uma vidinha linda aqui dentro. Assim muito pequenininha a precisar de mim. E, de repente, sinto-me mais forte que nunca, com força para aguentar tudo na vida porque tenho uma responsabilidade enorme. Enorme! Tão grande que nem tem nome! Porque é gigante e dá-me uma força incrível. Sinto-me uma super-mulher! Já tenho, dentro de mim, um filho que precisa que eu o proteja...
E estou tão feliz! Agora toda aquela sensação de estar perdida desapareceu. E apenas penso no que estou ali a fazer. Tenho que lhe contar. O meu marido tem que saber! Mas não quero dizer por telefone.

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