segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Escrever


Perdi a prática de escrever.
Quando se perde a prática de escrever, as palavras custam a sair das mãos, quando antes brotavam imparáveis, alegres e decididas.
As palavras agora gaguejam na ponta dos dedos, com uma sensação presa no estômago. Olho pela janela em busca de uma frase à minha procura, mas teimo em levar o olhar a um prédio destruído que seca o pensamento. E então olho para a árvore em frente ao prédio destruído.
E sinto algo a regressar... Palavras que se aproximam timidamente de mim.
Como se estivéssemos num período de enamoramento, em que nos conhecemos.

Uma nova perspectiva


Novos olhares, com perspectiva global!
De repente, a vista que tenho da minha janela ganha outra grandeza.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Domingar ao sábado


A chuva apetece. Filmes a espreguiçar. A sensação de domingo.

Dia 1

Manhã do dia 1

As pessoas atropelam-se, pisam-se, remoem e não olham para atrás. Ignoram-se, empurram-se e fingem que não foi nada.
A certa altura, a indiferença toma conta da vida, e tudo passa sem causar danos, como se os atropelos da vida fossem leves ventinhos a passar na cara.
Olho para trás e vejo uma mulher. Tem o mesmo olhar indiferente, catatónico e sem sentido. Por ela passaram outros rostos. Felizes, infelizes, diferentes, indiferentes. O tempo passa sem passar, nada muda. Continuamos agarrados às ervinhas que crescem à nossa volta, e não largamos as ervinhas e as florzinhas, temos medo que elas deixem de estar ali, que mudem, que cresçam, que desapareçam, que se alastrem!
Fixo o olhar na empregada de um café. Coxa, de algum desses países de leste. Sorri, ao entregar o pedido a um cliente, como se de uma tarefa fatal se tratasse. Mas não leva troco. E sorri e coxeia e serve outro café, volta a sorrir, vai buscar uma garrafa de água, sorri e alguém lhe sorri.
Viro a cabeça. Não suporto olhar toda aquela felicidade indiferente, diferente, irreverente e deslocada.
Tenho vontade de sair daquela estação de comboio cheia de gente, a correr, fugir e gritar... e violar a minha própria indiferença. Atrever-me à diferença, à inadaptação, à tolerância. Contenho-me. Chega o comboio. Atropelões, tropeções, pisadelas sem olhar. Corro para roubar o lugar a alguém que se ia sentar. Sento-me e olho para a janela, com o meu olhar indiferente.
Saio na minha estação, no meio de atropelões, tropeções, pisadelas. Páro à saída do edifício, como se tivesse um bloqueio que impedisse os meus pés de se moverem. E o meu mundo pára. Mas o deles continua. E vejo tudo, como se subisse e voasse, no largo à minha frente. Oiço as buzinas, as portas a fechar, a abrir, os canários nas varandas os taxistas a discutir. O empregado do café a fazer barulho a arrumar as chávenas e os pratos. E continuo sem me mover. Oiço a mãe a despedir-se dos filhos, as crianças a rir, a mulher da mercearia a refilar, um casal a discutir, outro a fazer juras de amor.
Não suporto, não suporto, não tolero, sentir toda esta vida, todo o barulho, todo o sentimento.
Respiro fundo e tento conter a pequena lágrima que tenta sair dos meus olhos. E enfrento mais um dia...

Final do dia 1

Sinto o cansaço a tomar conta de mim. Tenho vontade de chegar a casa e criar raízes no sofá. Vou a pé, sem pensar, sem raciocinar...

Carta de Desamor - Lição

Querido Clyde,

O nosso último serviço não correu da melhor forma! As palavras até me falham...
Não foi só pelo facto de teres sido preso, mas acho que serviu de lição para o futuro. Agimos dando o serviço como garantido e não tomámos as devidas precauções. Como te digo, espero que tenha servido para aprendermos a planear melhor o nosso trabalho. Enfim...
Sabes, nem foi tanto por teres chegado 45 minutos atrasado, apesar de saberes perfeitamente que não suporto atrasos. Não compreendo! E depois aquela história de teres ficado retido no metro, porque está em obras, ou lá o que foi! Expliquei-te que não me dava jeito nenhum ir buscar-te a casa, como querias, porque fui ao cabeleireiro, que era só a um quarteirão do banco. Não fazia sentido nenhum atravessar a cidade inteira só para ir buscar-te a casa, não achas? Ainda perdemos alguns minutos a discutir por causa do teu atraso e entretanto já estávamos atrasados uma hora! Enfim...
Repara, nem foi tanto porque as máscaras que usamos sempre tinham ficado em casa. Aliás, pedi-te logo desculpa por me ter esquecido e resolvi muito bem o assunto com as meias de licra! Ficámos óptimos. Aliás, acho que de futuro é o que se vai usar, é muito mais simples e eficaz.
E o facto de ter faltado a luz quando eu estava no cofre a encher o saco de dinheiro também nem foi o pior. É claro que fiquei trancada durante horas no cofre e sem luz nenhuma, nem casa de banho, nem comida... Enfim...
O que me custa mesmo, no meio disto tudo é que conheci outra pessoa. É o Eric, lembras-te? Deves lembrar-te, era o gerente do banco. Deste-lhe uma cacetada e mandaste-o para o cofre. Passámos umas horas juntos e apaixonámo-nos... Decidimos fugir para a Europa com o dinheiro do assalto. Sabes, não me parecia bem continuar nos Estados Unidos, pois tu e eu temos tantas memórias por esse país fora. Senti necessidade de mudar de ares. E a Europa tem um potencial enorme para o nosso negócio. Além disso, o Eric fala muito bem francês. É ele que tem falado nos serviços, eu ensinei-lhe tudo sobre o nosso negócio. Somos um sucesso!
Espero que saias depressa! Nunca te esquecerei.
Beijo,
Bonnie
PS – Desculpa ter demorado tanto tempo a dizer alguma coisa. É que viémos para a Europa de barco.

O blog. A folha em branco.

És ainda folha em branco de um caderno acabado de sair da prateleira da papelaria. Uso a sensação de abrir um caderno em branco e sentir todo o espaço para me ouvir.