terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um jantar



A noite estava escura como breu, na estrada que levava a Cacilhas.
O ponto de encontro para o jantar dos 50 anos de uma amiga era num restaurante no Beco do Ginjal, mesmo junto ao Tejo. Colocou a morada no GPS que, em tom decidido, indicava o caminho.
Chegando a Cacilhas, a voz do GPS manda virar à esquerda. Sem suspeitar de nada, ela segue o conselho. Era um cais apertado, mas por onde o carro circulava sem problema, vendo até algumas pessoas e alguns carros estacionados à beira-rio.
Confiante no seu GPS, ela seguia. E a voz feminina do GPS informa que o destino é a 800 metros.
De repente, o cais estreita e as luzes somem-se. A iluminação provém toda da outra margem do Tejo. Vê o último carro estacionado e continua o caminho. Afinal, seguia as indicações do aparelho. Até que surge um poste de iluminação que desenha os contornos de dois vultos que seguem na sua direcção. Os caminhantes aproximam-se e ela vislumbra dois marmanjos com aparência rebelde e que se metem à frente do carro a fazer gestos assustadores, provocando a sensação de terror disfarçada por um olhar que finge não ver ninguém, que não denuncia medo.
O caminho estreita ainda mais e a luz torna a desaparecer. À esquerda um armazém de portas escancaradas, à direita umas escadas para o rio e um pouco à frente uma velha estrutura industrial, sinal dos tempos em que no Cais do Ginjal se trabalhava activamente. E o carro atinge um ponto sem retorno. Ao fundo o restaurante, mas o caminho era impossível.
Ainda aterrorizada com os marmanjos, pensa em deixar o carro ali mesmo, mas ocorre-lhe um pensamento que o impede. “Podem ter que passar ali os bombeiros ou uma ambulância”. O pânico toma-lhe a perna esquerda e pensa em ligar ao marido para vir tirá-la dali, mas a coragem vislumbra-lhe uma solução. Percorrer o mesmo caminho em marcha atrás. A batida cardíaca provavelmente atingia recordes históricos.
Mete a mudança e começa o caminho. De um lado, as paredes como que vêm contra o carro, e do outro o rio também se aproxima. O rio ali tão perto. “E se o carro cai? Já imagino as manchetes dos tablóides: Carro cai ao Tejo em Cacilhas”. Queria ir para casa mas, afinal, eram os 50 anos de uma amiga. Passa pelo armazém de portas escancaradas, continua o caminho para trás, num longo trajecto de 300 ou 400 metros, até que chega finalmente a um local em que pode estacionar e sair da segurança silenciosa do carro.
Ainda pensava nos marmanjos que de certeza tinham visto o GPS e iam roubá-la. Pega no GPS e esconde-o.
Ao sair do carro é rodeada pelos sons, ocultos quando estava no carro.
O rio bate na estrutura de ferro, que range, provocando uma sinfonia de sons digna de um filme de terror. Começa a correr, passa pelo armazém de portas escancaradas, aterrorizada e com receio que saltasse dali alguém. O sítio parecia ser apropriado aos mais sinistros crimes. Nem sequer pensava que estava 25 minutos atrasada.
Continua a correr e finalmente chega ao restaurante. Ao fundo, vê a mesa comprida vazia. Ainda ninguém tinha chegado.
Vai ao balcão e pede uma água. Só queria sair dali, ir para o sossego desassossegado da cidade, cheia de luzes e de portas fechadas.
Ouvem-se vozes femininas a rir, animadas. Eram elas a chegar.
O pânico desvanecia-se.