quarta-feira, 21 de maio de 2008

O Cidadão na Repartição

A Senhora da Repartição do Serviço quase que sussurrou e disse "se esperar mais uns dias, até ao final do mês, a dívida prescreve, porque é o que acontece cinco anos depois. Deixe estar tudo como está e volta cá no início do próximo mês para se certificar de que já não existem dívidas".
Naquele momento, o Cidadão sentiu que partilhava alguma coisa com a Senhora da Repartição. Ambos tinham um plano infalível para enganar o Serviço. Iam aguardar uns dias até que a dívida prescrevesse! A Senhora da Repartição do Serviço acenava a cabeça e esboçava um sorriso, em jeito intimista, para demonstrar que juntos conseguiriam enganar o Serviço.
O Cidadão devolveu o aceno e o sorriso intimista.
Saiu do Serviço e a vergonha caiu em si, embaraçando-o com o plano infalível para enganar o Serviço, que tinha sido esboçado pela Senhora da Repartição do Serviço. Mesmo embaraçado e envergonhado, o Cidadão continuou o seu caminho, o seu plano e aguardou o final do mês e a prescrição da dívida.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Locus horrendus

A neura é um estado profundamente enervante. Semelhante ao que se sente quando se bebem, de seguida, quatro ou cinco cafés.
Estava um dia lindo quando acordei e de repente ficou um dia pavoroso.
De repente, passou-me a boa disposição e já gritei com alguém que não tinha culpa nenhuma.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Prá menina e pró menino

Ostentava orgulhosamente o seu relógio da Barbie para um menino com talvez três anos, menos um que ela.
"Amanhã também vais ter um", assegurava-lhe, pensando em amanhã como um futuro não muito longínquo. "Mas só que o teu vai ser do Homem-Aranha".

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Hábitos

O hábito veste-nos de manias que pintam o quotidiano. E quando as cores mudam ou as horas nos fazem mudar o hábito, fica tudo trocado. Inevitavelmente, sai asneira. E deixamos as chaves nos sítios mais insuspeitos, os óculos nos locais mais inóspitos...

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Cartas - Preâmbulo [Ele]

2 de Maio de 1912

Celeste. Celeste. Celeste. Celestial. Esta semana cruzei-me algumas vezes com ela. Continua a ter o ar indiferente de sempre. Aérea, talvez não me veja ou nem se aperceba da minha existência. Vi-a a tomar chá com a mãe. Pegava na chávena distraidamente e queimou-se. Depois ficou muito tempo com a chávena na mão a olhar para o chá. Vi-a também a entrar em casa. Se estiver na janela da sala consigo ver a porta da casa dela. E vi-a no jardim, a ler. E viu-me, olhou para mim. Tive dúvidas que fosse para mim que estivesse a olhar, mas era mesmo. Sorri-lhe, mas talvez não o devesse ter feito. Parece-me que a envergonhei. E não a vejo há uns dias.